O dia 1 de maio de 1994 será sempre recordado como um dos mais negros da Formula 1, senão mesmo mais negro, pois essa data assinala a partida do maior piloto de sempre, Ayrton Senna. O tricampeão mundial teve um fatídico embate em Imola, num Grande Prémio de São Marino marcado por acidentes de extrema gravidade, e esta data marcou a história do desporto automóvel e ficou presente na memória de fãs em todo o mundo.
Este ano assinalam-se 31 anos da partida do astro brasileiro, provavelmente o maior talento nato para o mundo da competição automóvel, e prestamos a nossa homenagem à vida, carreira e legado de Ayrton Senna. Afinal, apesar do vazio da morte do ás canarinho permanecer, o seu exemplo continua a servir de inspiração para milhões em todo o planeta.
Ayrton Senna: Nascido para correr e para vencer
Nascido a 21 de março de 1960 em São Paulo, Senna era filho do proprietário da maior fábrica de peças automóveis da capital paulistana, que desde cedo passou ao filho a paixão pelas quatro rodas. E, com quatro anos, Senna recebeu o presente que o iniciou no mundo dos motores, um pequeno kart equipado com motor de um corta-relva que serviu para as primeiras aventuras ao volante.

A entrada no mundo da competição ocorreu com apenas 13 anos, e logo com uma demonstração do sobrenatural talento do piloto que se tornou eterno. Em Interlagos, onde viria anos mais tarde a dar mais uma lição da sua mestria ao volante com o McLaren, conquistou logo a primeira prova que disputou, e a paixão pela vitória que aí nasceu continuou sempre a ser alimentada ao longo de anos de competição. Da passagem de Ayrton Senna pelos karts ficaram proezas como os quatro triunfos alcançados no mesmo dia quando, em 1978, participou na inauguração do kartódromo de Uberlândia.
Em 78 e 79 o talento do canarinho começou a ganhar asas em provas internacionais, com dois campeonatos sul-americanos e dois vice-campeonatos mundiais de karts. No primeiro deles, em 1978 no Estoril, teve lugar a estreia do icónico capacete amarelo que se tornou imagem de marca de Ayrton Senna.
Inglaterra foi Trampolim para voos mais altos
Depois de mostrar o seu talento nos karts, no início dos anos 80 Ayrton Senna acelerou para o outro lado do Atlântico e fez a estreia nos monolugares nos campeonatos da Fórmula Ford em Inglaterra. Esta epopeia é muito bem retratada na série da Netflix, e mostra os triunfos nas classes de 1600 (12 vitórias em 20 provas com o carro da Van Diemen) e 2000 (onde viu a bandeira do xadrez em 22 das 27 provas com a Rushen).
Em 1983 teve lugar mais uma batalha épica, desta vez contra Martin Brundle na Formula 3. Mesmo a correr em casa e com uma vantagem competitiva por irregularidades no monolugar, o britânico não conseguiu evitar que Senna vencesse 13 das 21 provas disputadas.
Desse ano ficaram histórias incríveis e que demonstram a vontade de vencer do piloto. A mais emblemática envolve a última prova do ano, quando Senna conduziu até Itália para ter um novo motor e esbater a diferença para o seu rival, Martin Brundle. E depois, para essa prova em Thruxton, decidiu tapar as saídas de ar no arranque para o óleo atingir a temperatura ideal mais rapidamente, numa proeza que acabou por dar uma ajuda para vencer o campeonato.
Toleman foi a rampa de lançamento na Fórmula 1
Com a vitória na Fórmula 3 britânica, parecia que as portas já entreabertas da Fórmula 1 iriam escancarar-se para Ayrton Senna em 1984. No entanto, depois de fazer testes na Williams, Brabham e McLaren, e de ter um acordo verbal com a Lotus que não se concretizou, apenas a Toleman avançou com uma proposta para o contratar.
Senna teve impacto imediato e mostrou que era a escolha certa (para qualquer equipa…), conquistando pontos logo na segunda prova, em Kyalami (África do Sul). Mas o momento mais impressionante desse ano ocorreu no “Principado de Senna”, onde com o circuito alagado e chuva torrencial Senna voou até ao segundo posto.

Nessa prova Ayrton só não foi mais longe porque a corrida acabou interrompida quando engolia os segundos de vantagem de Alain Prost com uma rapidez impressionante. Pressionado pelo aproximar de Senna, o piloto francês pressionou a direção de corrida, que acabou por antecipar o fim da prova.
Ainda nesse ano voltou mais duas vezes ao pódio, uma delas no Estoril. E, nas contas finais do campeonato, apesar das fracas performances do Toleman, Ayrton Senna terminou a época de estreia no 9º lugar do campeonato, sendo o único ano, em toda a sua carreira na F1, que terminou abaixo do quarto posto da geral.
Este ano ficou também marcado pelas duas únicas corridas de Senna em carros “fechados”, ambas em Nurburgring. Numa delas o maior dos campeões venceu Lauda, Prost, Hill, Moss, Brabham e Surtees na Corrida dos Campeões, e nos 1000 km de Nurburgring problemas no carro impediram-no de ir além do 8º posto.
Lotus foi o jardim onde Senna plantou as sementes da sua lenda
Depois de um acordo secreto delineado quando ainda corria com a Toleman, e do pagamento da cláusula da rescisão com a equipa, Senna apareceu equipado com as cores pretas e douradas da Lotus para a temporada de 1985. Este ano ficou marcado pela primeira vitória na F1, obtida no Estoril a 21 de abril, em mais uma demonstração do talento inato do brasileiro para correr à chuva. Ou, nas palavras de John Blunsden, do The Times, “um dos exemplos mais claros da habilidade suprema de condução”.

Na primeira época com a equipa de Ketteringham Hall, Senna teve dois triunfos e subiu por seis vezes ao pódio, terminando a temporada no quarto posto da classificação de pilotos. Em 1986 as tentativas de ir além dos limites do monolugar e os problemas mecânicos da Lotus impediram que o astro brasileiro, apesar de dois triunfos e 8 pódios em 16 provas, fosse novamente além do quarto posto.
Ao todo, nos dois primeiros anos na Lotus, Senna regista 13 abandonos em 32 etapas do Grande Circo, algo impensável para quem procurava tornar-se no terceiro brasileiro a vencer o Mundial de F1, depois de Fittipaldi e Piquet. Ainda assim, em 1986 fica para os livros a vitória em Espanha, sobre Mansell por apenas 14 milésimos de segundo, que continua a ser uma das mais apertadas de sempre na história da F1.

A temporada de 1987 foi a última da Lotus, agora mais fiável, que ficou novamente marcada pela conquista de dois Grandes Prémios e pela primeira vez que Senna entrou no pódio da luta pelo campeonato, onde foi o 3º mais pontuado. E, não fosse a desclassificação na última corrida do ano, em Adelaide, Austrália, Senna teria sido vice-campeão atrás do compatriota Nelson Piquet.
Ayrton Senna torna-se mito na McLaren
O melhor piloto quer sempre o melhor carro, e esse casamento surgiu finalmente para Ayrton Senna em 1988. No entanto, se o casamento com a McLaren foi perfeito, rapidamente a união com o colega de equipa Alain Prost se desfez. Com um monolugar capaz de dominar sem concorrentes, os dois pilotos da equipa com a mítica decoração vermelha e branca rapidamente se tornaram nos maiores rivais.
Pode-se dizer que a convivência entre o campeão francês e o aspirante brasileiro fez muito mais do que faísca. A relação entre ambos na equipa foi um choque elétrico de alta tensão, mas Ayrton Senna mostrou-se à altura do desafio. Logo na primeira época conquistou o maior número de triunfos numa só época da sua valiosa carreira, com 8 vitórias, num ano que culminou no primeiro Campeonato Mundial de Pilotos para Ayrton Senna.

Entrada numa dimensão diferente no Mónaco
Nesse ano Senna transcendeu-se e, segundo o próprio, foi mesmo transportado para outra dimensão no Mónaco. Na pista que dominou como nenhum outro piloto, Senna fez uma volta perfeita para conquistar a pole com menos 1,4 segundos que Prost, e afirmou que se sentiu quase como em outra dimensão, sendo transportado para um túnel onde apenas existia ele e o traçado, sem consciência de mais nada.
Na corrida, o herói brasileiro teve nova exibição magistral, mas que terminou com um embate na volta 67 quando estava perto de completar uma prova perfeita. Depois de desperdiçar esta corrida, Senna decidiu conduzir (um pouco) mais afastado do extremo e isso valeu-lhe o campeonato em mais uma exibição suprema em Suzuka. Na prova japonesa, depois de um falso arranque, ultrapassou tudo e todos para selar o título mundial com 13 segundos de vantagem sobre o rival Prost.
Suzuka no pior e no melhor de Senna
O ano seguinte marcou ainda mais o distanciamento entre Senna e Prost, mas neste ano foi o gaulês a sagrar-se campeão em solo japonês, depois de uma prova repleta de polémica. Depois de um toque entre os dois McLaren, Prost abandona o monolugar mas Senna decide regressar a pista, cortando uma chicane para evitar ter de andar em sentido contrário.
Com mais uma recuperação como apenas Senna era capaz, e uma vitória que permitia celebrar o bicampeonato, a FIA liderada por Jean-Marie Balestre (curiosamente, ou não, compatriota de Prost) decide desclassificar o piloto brasileiro. Isso permitiu a Prost sagrar-se tricampeão, e também significou o último ano em que os dois partilharam os geniais McLaren MP4.

Em 1990 os dois protagonistas da maior rivalidade da F1 passaram a equipar cores diferentes, com a ida de Prost para a Ferrari. Com o seu gosto especial em humilhar os rivais, Senna bateu o gaulês na casa da Ferrari, fazendo o Grand Slam (pole, vitória e volta mais rápida), ganhando também uma aposta com Ron Dennis. O prémio foi ficar com o monolugar usado na prova, que hoje em dia faz parte do acervo da Fundação Senna.
A decisão do título ficou novamente marcada para Suzuka. Desta vez era Senna quem tinha a vantagem pontual e, dando o troco a Prost, colocou os dois monolugares fora de prova logo na primeira curva, num embate a 270 km/h. Neste ano nem a ajuda do amigo Balestre valeu ao tricampeão mundial, pois a troca da grelha para fazer Senna partir com a pole do lado sujo da pista não permitiu a Prost manter-se na luta pelo campeonato.
Tricampeonato e a mítica vitória de Ayrton Senna em Interlagos
O ano de 1991 foi aquele em que Senna mostrou mais consistência. Logo desde o arranque do campeonato o piloto mais talentoso de sempre colocou todos os rivais a uma distância, vencendo as quatro primeiras etapas do mundial.
A segunda prova do ano foi mais um exemplo do desejo de conquista e da capacidade de superação de Ayrton Senna. O piloto finalmente conseguiu vencer em casa (Interlagos) apesar do carro ter ficado preso na sexta velocidade grande parte da prova. O drama atingiu proporções épicas no dia neste dia 24 de março de 1991, com a recuperação de Ricardo Patrese a fazer perigar o primeiro triunfo de Senna em solo canarinho.

No final, o campeão brasileiro suportou as dores e a exaustão para vencer com 2,991 segundos de vantagem. Mas o desgaste foi tanto que precisou de ajuda para sair do carro e quase não conseguiu erguer o troféu da vitória quando subiu ao pódio para ouvir a Marcha Triunfal junto dos seus compatriotas. O ano terminou com 12 pódios e 96 pontos (recordes de carreira) e um total de 7 vitórias, naquele que foi o terceiro e último ceptro mundial do melhor piloto de sempre.
Nos dois anos seguintes a aura de imbatibilidade da McLaren esboroou-se e o paulistano terminou as temporadas de 92 e de 93 no quarto e no segundo posto do campeonato, respetivamente. Ainda assim, conseguiu completar o “penta” no Mónaco, um registo que ainda hoje figura como a melhor série de vitórias consecutivas de um piloto no mesmo traçado.
O desaparecimento do imortal Ayrton Senna
Novamente na senda da ligação entre melhor homem e melhor máquina, Ayrton Senna assina pela Williams em 1994, que tinha vencido os dois últimos campeonatos mundiais. Ocupando o lugar que Prost deixou vago, ao reformar-se depois do tetracampeonato, Senna teve de lutar contra as mudanças definidas pela FIA para esta temporada, que fizeram desaparecer ajudas eletrónicas como o ABS e a suspensão ativa.
Estas alterações às regras eliminaram muita da vantagem que a Williams tinha tido nos anos anteriores, e Senna teve de lutar contra o carro para o levar além dos limites nas primeiras provas. Algo que seu imenso talento tornou possível em Interlagos e Aida (Okayama), partindo em ambas as provas da pole-position. No entanto, na primeira prova teve um despiste e na segunda sofreu um toque e foi abalroado logo no arranque.
Foi com a imensa pressão de recuperar pontos para Michael Schumacher, vencedor no GP do Brasil e GP do Pacifico, que Senna chegou a Imola, em São Marino. Um fim de semana trágico e que mudou a Formula 1 para sempre, pois depois do grave acidente de Rubens Barrichello e da morte de Roland Ratzenberger, no dia 1 de maio de 1994 o mundo teve de suportar o desaparecimento do mais talentoso piloto de sempre, depois de um embate com o muro de Tamburello a mais de 200 km/h.
Ayrton Senna no mundo automóvel
Ayrton Senna foi o maior ás dos circuitos, mas a sua influência também se estende ao mundo automóvel. O maior exemplo disso é porventura o McLaren Senna, modelo criado pela marca britânica para honrar o nome maior da sua história na competição motorizada. Um desportivo de capacidades supremas e um visual tão agressivo como a postura de Senna nas pistas, este modelo equipa um V8 4.0 com 800 cv e alcança performances de topo, passando dos 0 aos 100 km/h em 2,8 segundos e atingindo os 335 km/h de ponta.
Igualmente emblemático é o Honda NSX, cuja primeira geração contou com o apoio de Senna na fase de desenvolvimento. Em testes para a McLaren-Honda, o piloto foi convidado para avaliar o protótipo do desportivo, que considerou “um pouco frágil”, uma análise que levou a Honda a aumentar em 50% a rigidez estrutural e a fazer ajustes na suspensão, otimizando as performances do NSX.

Mas existem mais exemplos de modelos associados ao piloto brasileiro, como o McLaren P1 GTR, que ganhou uma decoração estupenda a evocar a combinação de branco e vermelho dos monolugares que Senna conduziu. Mais recentemente, a Lotus lançou também uma edição especial de tributo ao piloto, numa série com cinco pinturas diferentes para o Emira, onde se destaca o Type 97T (1985), preto com detalhes dourados, associado às vitórias de Senna em Portugal e na Bélgica.
Nas duas rodas também a Ducati prestou homenagem a Senna em diversas edições especiais, de que se destacam as seguintes séries:
- 916 Senna I (1995): 300 unidades em cinzento escuro com jantes vermelhas.
- 916 Senna II (1997): 300 unidades em cinzento prateado.
- 916 Senna III (1998): 300 unidades em preto profundo.
- 1199 Panigale S Senna (2014): limitada a 161 unidades, número que corresponde ao total de Grandes Prémios disputados por Senna na Fórmula 1
- Monster Senna (2023): Edição comemorativa baseada na Monster 937. Esta versão presta homenagem ao legado de Senna com uma produção limitada a 341 unidades, número que simboliza os 3 títulos mundiais e as 41 vitórias do piloto na Fórmula 1
Legado de Ayrton Senna perdura no tempo
Senna pode ter-nos deixado ao nível terreno, mas a sua presença permaneceu e continua a fazer-se sentir em varias áreas. A filantropia que ele sempre teve em vida, exigindo o anonimato no apoio que dava a várias pessoas e instituições, materializou-se na criação do Instituto Ayrton Senna, uma entidade com que o piloto havia sonhado em vida e começado a planear no arranque de 1994 com a sua irmã, Viviane. Desde então, milhares de crianças desfavorecidas já beneficiaram com o apoio do Instituto Senna, que se foca na educação como via para melhorar o mundo.

Também na Fórmula 1 o legado de Senna continua, com a constante procura por inovações na área da segurança como das traves mestras da evolução do ‘Grande Circo’. E, desde o desaparecimento do multicampeão, apenas se registou a perda de mais um piloto num Grande Prémio, com a partida de Jules Bianchi em 2014. A voz dos pilotos também ganhou peso nas decisões, e a Associação de Pilotos, que Ayrton Senna procura reedificar, é hoje relevante nas decisões da competição.
Mas, porventura, a forma mais presente como o astro brasileiro continua vivo é a inspiração que continua a ser para milhões em todo o mundo. A paixão pela vitória, força para lutar pelos sonhos, afinco no trabalho, máxima atenção ao detalhe, capacidade de autossuperação, frontalidade de dizer o que pensa e coragem de se bater pelas causas em que acredita são marcas que Senna deixou para sempre impressas numa imensa legião de fãs.

Fonte das fotos: WikiCommons e Flickr